Papo Legal

Uma visão descomplicada do Direito

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Declaração de Delegado de Polícia do RJ

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Li o texto a seguir no Facebook e, de imediato, rendi-me totalmente aos argumentos do autor. Segue, na íntegra.

Como Delegado de Polícia do Rio de Janeiro é meu dever moral e jurídico esclarecer ao povo carioca os motivos pelos quais enfrentamos este caos na Segurança Pública.

Em primeiro lugar, fique você sabendo que a nossa legislação permite que qualquer pessoa, independentemente de sua qualificação profissional, assuma o cargo de Secretário de Segurança Pública.

Isto significa que as Polícias Militar e Civil estão sob a direção de pessoas que nem sempre têm qualquer conhecimento jurídico e operacional para exercer sua função pública.

Isto significa também que o Governador eleito pelo povo indica o Comandante da Polícia Militar e o chefe de Polícia Civil, que podem ser demitidos a qualquer momento.

Estes por sua vez, indicam os comandantes de cada Batalhão e os Delegados Titulares de cada Delegacia, que por sua vez, são também afastados de seus cargos por qualquer motivo.

Digo, portanto, que a Polícia Civil é absolutamente política e serve aos interesses políticos dos que foram eleitos pelo povo. Quando os afastamentos de Delegados são políticos e não motivados por sua competência jurídica e operacional, o resultado é a total falta de profissionalismo no exercício da função.

Este é o primeiro indício de como a nossa Lei trata a Polícia. Se a Polícia é política quem investiga os políticos?

Você sabia que o papel da Polícia Militar é exclusivamente o patrulhamento ostensivo das nossas ruas?
E por isso é a Polícia que anda fardada e caracterizada e deve mostrar sua presença ostensiva, dando-nos a sensação de segurança.

Você sabia que o papel da Polícia Civil é investigar os crimes ocorridos, colhendo todos os elementos de autoria e materialidade e que o destinatário desta investigação é o Promotor de Justiça que, por sua vez, os levará ao Juiz de Direito que os julgará, absolvendo ou condenando?

Então, por que nossos governadores compram viaturas caracterizadas para a sua polícia investigativa? Então, por que mandam a Polícia Civil patrulhar as ruas e não investigar crimes?

Parece piada de muito mau gosto, mas é a mais pura e cristalina realidade.

Você sabia que o Poder Judiciário e o Ministério Público são independentes da Política e a Polícia Civil é absolutamente dependente?

Assim, a Polícia Civil é uma das bases que sustenta todo o nosso sistema criminal, juntamente com o Judiciário e o Ministério Público.

Se os Delegados de Polícia têm essa tamanha importância, por que são administrativamente subordinados à Secretaria de Segurança e a Gove rnadores que são políticos?

Porque ter o comando administrativo da Polícia Civil de alguma forma serve aos seus próprios objetivos políticos, que passam muito longe dos objetivos jurídicos e de Segurança Pública.

Assim, quero dizer que o controle da Polícia Civil está na mão da política, isto é, do Poder Executivo.

Tais políticos controlam um dos tripés do sistema criminal, o que gera prejuízos tremendos e muita impunidade. Não é preciso ser inteligente para saber que sem independência não se investiga livremente. É por isso que os americanos criaram agências de
investigação independentes para fomentar sua investigação criminal.

Em segundo lugar, fique você sabendo que os policiais civis e militares ganham um salário famélico.

Você arriscaria sua vida por um salário de fome?

Que tipo de qualidade e competência têm esses policiais?

Se a segurança pública é tã o importante, por que não pagamos aos nossos policiais salários dignos, tais quais são os dos Agentes Federais? Se o Governo não tem dinheiro para remunerar bem quem é importante para nós, para que teria dinheiro?

Em minha opinião, há três tipos de policiais: os que são absolutamente corrompidos; os que oscilam entre a honestidade e a corrupção e os que são honestos.
Estes trabalham em no mínimo três “bicos” ou estudam para sair da polícia de cabeça erguida.

De qual dessas categorias você gostou mais?
Parece que com esses salários, nossos governantes, há tempos, fomentam
a existência das primeira e segunda categorias.

É isto o que você quer para sua cidade? – Mas é isso que nós temos! É
a realidade mais pura e cristalina!
O que vejo hoje são procedimentos paliativos de segurança pública destinados à mídia e com fins eleitoreiros, pois são elaborados por políticos. Mas então, o que fazer?

Devemos adotar uma política de segurança a longo prazo. A legislação deve conferir independência funcional e financeira à Polícia Civil com seu chefe eleito por uma lista tríplice como é no Judiciário e no Ministério Público.

A Polícia Civil deve ser duramente fiscalizada pelo Ministério Público que deverá também formar uma forte Corregedoria.
O salário dos policiais deverá ser imediatamente triplicado e organizado um sério plano de carreira.

Digo sempre que se a população soubesse qual a importância do salário para quem exerce a função policial, haveria greve geral para remunerar melhor a polícia. Mas a quem interessa que o policial ali da esquina ganhe muito bem? –

Será que ele vai aceitar um “cafezinho” para não me multar ou para soltar meu filho surpreendido com drogas? Será que não é por isso também que não temos segurança?

Fiquem todos sabendo que se o policial receber um salário digno não mais haverá escalas de plantão e, consequentemente, não haverá espaço físico para que todos trabalhem todo dia, como deve ser.

Fiquem sabendo que a “indústria da segurança privada” se tornará pública, como deve ser.
Fiquem sabendo também que quem vai ao jornal defendendo legalização de emprego privado para policiais, não deseja segurança pública e sim, segurança para quem pode pagar.

Desafio à comunidade social e jurídica a escrever sobre estes temas e procurar uma POLÍTICA DE SEGURANÇA realmente séria e não hipócrita, como é a que estamos assistindo Brasil afora.

AUTORIZO A PUBLICAÇÃO IRRESTRITA DESTE TEXTO.
Façam um favor ao Estado do Rio de Janeiro, enviem para todas as pessoas que conhecerem.
Del. TARCÍSIO ANDRÉAS JANSEN – DELEGADO DE POLÍCIA-DAS-
DELEGACIA ANTI-SEQUESTRO

Written by arlindoneto

19/06/2011 at 00:52

Potência de bananas

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Agora que o Brasil virou potência mundial e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi escolhido o homem do ano pelos jornais “Le Monde” e “El País”, só resta a nós colunistas prorrogarmos indefinidamente nossas férias, já que não há mais dificuldades a resolver nem, portanto, problemas a comentar. Se arrisco estas temerárias linhas, é porque, duas semanas atrás, antes de entrarmos no exclusivíssimo clube de países do Primeiro Mundo, eu havia assumido o compromisso de voltar a escrever no dia 31 de dezembro. E, como promessa é dívida, vejo-me agora compelido a procurar pelo em casca de ovo, a fim de preencher o espaço desta coluna.

Brincadeiras à parte, sempre fui um otimista cauteloso. Na escala da história humana, que se mede em punhados de séculos e não nas mais familiares décadas, as quais constituem o horizonte de nossas vidas, o mundo em geral e o Brasil em particular nunca estiveram tão bem. Faço tal afirmação com base no mais visceral dos critérios, que é o da quantidade e qualidade da de vida.

Com efeito, nunca fomos em tão grande número e vivendo tanto. De 1900 até hoje, a esperança de vida do brasileiro saltou de 33,7 para 72,3 anos (dado de 2008). Indicadores básicos como a mortalidade infantil seguem caindo. A alfabetização, embora ainda longe do ideal, vai lentamente melhorando. A educação básica e superior continuam muito ruins, mas já estão disponíveis para praticamente todos. Até os pobres estão consumindo (e isso, creio, é em boa medida mérito de Lula, sem ironias).

Se há um aspecto que ainda nos deixa mais perto das repúblicas de bananas do que da zona civilizada do planeta é o da administração da Justiça. Cuidado, não se devem aqui nutrir ilusões. Favorecimentos ilícitos ocorrem em toda parte. O que diferencia uma Suécia de uma Suazilândia é se a corrupção tem ou não caráter endêmico e se o sistema é ou não eficiente.

No Brasil, receio, o Judiciário não sobrevive a nenhum dos dois critérios. Ele ainda é muito afeito a interferências indevidas, seja pela corrupção simples, consubstanciada na compra de sentenças, seja por mecanismos mais sutis de tráfico de influência, como o prestígio social das partes e a rede de amizades de seus advogados. O velho brocardo segundo o qual no Brasil apenas pobres, pretos e prostitutas vão para a cadeia não dista muito da realidade.

É no quesito eficácia, entretanto, que a Justiça se mostra epidemiologicamente mais perversa. Enquanto a corrupção e o tráfico de influência se mostram decisivos numa parcela minoritária dos casos julgados, a ineficiência afeta todos, sem exceção. Para não jogar toda a carga sobre nossos pobres juízes, convém observar que os vícios atingem todos os elos da cadeia, da investigação policial ao despreparo do Ministério Público passando pela extrema generosidade recursal, que permite a qualquer advogado esperto prolongar por anos, senão décadas, a duração de um processo. E, frequentemente, postergar uma decisão significa beneficiar uma das partes.

A fim de dar materialidade ao que estou dizendo, tomemos alguns casos recentes. No mais rumoroso deles, o do pequeno Sean Goldman, agora com 9 anos, a coisa ganha ares de surrealismo. Até que o garoto entrou no Brasil de forma legal, no longínquo ano de 2004. Ele chegou com a mãe para passar duas semanas de férias e tinha a autorização do pai para tanto. Só que Bruna Bianchi decidiu não retornar. Quando a autorização de viagem venceu, no dia 18 de julho, configurou-se o que a legislação internacional qualifica como sequestro civil de menor. Se Bruna queria separar-se do marido e ficar com o garoto, teria de resolver a pendência numa Corte de Nova Jersey, que era onde a família mantinha residência. O Brasil, como signatário da Convenção de Haia de 1980, convertida em norma interna pelo decreto 3.413/2000, tinha a obrigação, nos termos dos artigos 7, 10 e 11 do diploma, de tomar as providências para que o garoto retornasse o mais rapidamente possível. A regra vale tanto para as autoridades administrativas como judiciais.

Bruna contraiu novas núpcias com João Paulo Lins e Silva e foi, como é típico, enrolando a situação judicial. Dizem as más línguas que foi auxiliada pelo novo marido e seu pai, Paulo Lins e Silva, que militam justamente na área de direito de família no Rio e gozam de grande prestígio na área. Não duvido, mas tampouco considero essencial. Prolongar uma ação judicial através das fartas possibilidades recursais oferecidas pela legislação não é exatamente uma tarefa impossível.

Seja como for, em 2008, ocorreu uma tragédia. Bruna morreu no parto de sua segunda filha. Em termos jurídicos seria difícil imaginar uma situação mais cristalina. Quando do impedimento definitivo de um dos pais, cabe ao outro exercer com exclusividade o poder familiar. É o que diz o artigo 1.631 do Código Civil Brasileiro, é o que diz a legislação norte-americana e de praticamente todos os países. Se antes havia argumentos a ponderar sobre quem deveria ter a guarda de Sean, eles deixaram de existir com a morte de Bruna. Só que, em vez de devolvê-lo ao pai, a Justiça fluminense deu ao padrasto João Paulo a guarda do menino, por “paternidade socioafetiva”, numa manobra que não apenas contraria a letra da lei como também os usos, costumes e prazos do próprio Judiciário brasileiro é difícil não acreditar aqui que a influência da família Lins e Silva não tenha contribuído para a decisão.

É claro que, sobretudo no direito de família, poderia haver exceções ao que preconiza a regra geral. A manutenção do garoto no Brasil seria justificável, por exemplo, se houvesse uma história de violência ou abuso por parte de David Goldman, mas, aparentemente, esse jamais foi o caso. Outra exceção possível, citada pelos Bianchi e os Lins e Silva e prevista na Convenção de Haia, era o fato de que Sean já estava no país havia mais de um ano e estava integrado a seu novo ambiente. É verdade, mas o prazo só transcorreu porque a Justiça brasileira deixou de cumprir sua obrigação legal de repatriar o menino rapidamente. (O absurdo lógico lembra o da recém-aprovada PEC dos precatórios, que permitirá ao Poder Público pagar “com desconto” as dívidas a que foi condenado pela simples razão de que é um mau pagador).

De todo modo, nos quase cinco anos em que tramitou, o caso Sean passou por todas as instâncias do Judiciário brasileiro. O mérito mesmo da questão, sobre o qual havia pouca dúvida, foi apreciado em pouquíssimas ocasiões.

Outros dois casos ilustres, o do médico Roger Abdelmassih e o do banqueiro Daniel Dantas, também lançam dúvidas sobre juízos de mérito, procedimentos e possíveis influências espúrias.

Abdelmassih, acusado de algumas dezenas de estupros de pacientes, aguardava julgamento em prisão preventiva. Foi solto na véspera do Natal por um habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal. Embora nem todos os juízes a cumpram, a regra brasileira é clara: todos os que sejam réus primários e tenham endereço certo devem responder ao processo em liberdade até o trânsito em julgado, a menos que haja fortes motivos para acreditar que o acusado vai destruir provas, coagir testemunhas ou fugir do país. Podemos achar essa norma exagerada (eu acho que a prisão poderia ser o padrão após a primeira sentença condenatória), mas, enquanto ela vigora, deve ser cumprida. Mais absurdo, me parece, é os juízes ficarem criando subterfúgios lógicos para tentar transformar a prisão preventiva em regra quando deveria ser exceção. No caso de Abdelmassih, é possível até que a celebridade do réu e a natureza sexual do crime tenham contribuído para mantê-lo na cadeia. Fosse a situação menos rumorosa, não creio que ele teria passado tantos meses no xilindró. A Justiça brasileira ainda é escandalosamente classista. Doutores muito raramente são encarcerados.

Quanto a Daniel Dantas, estou entre aqueles que acham que ele deve ser culpado de alguma coisa. Mas, para impor-lhe uma sanção, é necessário antes demonstrar que ele cometeu um crime. Igualmente importante, é preciso fazê-lo sem violar nenhuma garantia processual. O ímpeto quase religioso com que alguns de seus algozes o caçavam (até o nome escolhido para a operação da PF, Satyagraha, que significa “firmeza da verdade” em sânscrito, tem algo de teológico) sugere que o Judiciário atue com o máximo de cautela. Como boa parte do PIB brasileiro está envolvida nessa história, é difícil imaginar que não houve influências políticas e econômicas.

Não pretendo, porém, proferir aqui a sentença definitiva contra ou a favor de quem quer que seja. Meu propósito para esta coluna é apenas indicar que nosso Judiciário tem problemas. Mesmo que ele fosse absolutamente imune a todo tipo de corrupção e tráfico de influência o que não é, ainda assim seria preciso reequilibrá-lo para atender às necessidade de uma sociedade de massas ávida pela resolução rápida de seus conflitos.

É fundamental olhar mais objetivamente para o mérito das demandas, sem perder-se numa plêiade de possibilidades de recurso que favorecem apenas os que estão prontos para longas batalhas judiciais, que são fundamentalmente o Estado e as grandes empresas, ou seja, os mais ricos. E é preciso cuidar disso sem sacrificar o primado dos direitos e garantias individuais, que é o que distingue sociedades civilizadas de totalitarismos.

Não é tarefa fácil, mas é preciso avançar quanto antes nesse caminho. Sem um Judiciário razoavelmente confiável e ágil, o Brasil, em que pese os esforços de nosso hirsuto líder, permanecerá no clube das repúblicas de bananas.

Acesso: 08-jan-2010

Autor: Hélio Schwartsman

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u672479.shtml

Written by arlindoneto

08/01/2010 at 09:40